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CERRADO INFINITO da praça da nascente

Início: 13 de junho de 2015...

Local: Praça Homero Silva, ( Praça da Nascente ) Sumarezinho, ZO, cidade de São Paulo.​

Área: Aproximadamente 2000m

Trilha: Aproximadamente 400m

Espécies EM DESTAQUE: Capim-rabo-de-burro, capim-barba-de-bode, lobeira, araçá-do-campo, guabiroba, fedegoso, carqueja, alecrim-do-campo, capim-sapé, capim-colchão, capim-pé-de-galinha, língua-de-tucano, elegante, erva-grossa, jurubeba, candeia, juqueri, arranha-gato, dormideira, barbasco, branqueja, begônia-do-brejo, fruta-do-pombo, copaíba, sumaré, batata-de perdiz, canela-de-velho, marmelinho-do-campo, amargoso, arnica-do-campo, caraguatá, murici, ananás...

Ações: Plantio e manutenção do Cerrado Infinito aos sábados das 9h as 11hs.​​​​​​

DEFINIção: Ecossistema cultural ruderal

O Cerrado Infinito é um trabalho de descolonização da paisagem vegetal, guiado pela evidência de que mais de 90% da vegetação da cidade de São Paulo é exótica, como resultado de uma cultura de apagamento das ecologias nativas. No contexto da Praça Homero Silva, rebatizada pelos seus frequentadores de Praça da Nascente, por abrigar dentro dela oito nascentes, além de outras nos arredores que, juntas, formam o Córrego do Água Preta, O o projeto propõe uma sucessão ecológica que favorece  o ressurgimento de áreas de vegetação campestre, de acordo com sua distribuição histórica e cultural ao longo do desenvolvimento da cidade.

Se o objetivo é desenvolver um território vegetal que possa ser percebido como uma paisagem  que aponte aspectos do passado, sua metodologia, no entanto, passa longe da ideia de jardinagem e de cultivo propriamente dito, tendo se desenvolvido e consolidado 

através de transplantes de plantas encontradas em diferentes áreas, espalhadas na malha urbana, com variados estágios de vulnerabilidade e de destruição. 

Os plantios, feitos aos moldes de uma colagem heterotópica, reconstituem as composições vegetais encontradas nas áreas de origem. Ou criam novos arranjos a partir das plantas de lugares variados, que se misturam ao longo do tempo. O que vemos é a formação de uma comunidade vegetal que vai se tornado independente, à margem da programação espacial da praça. Essas espécies, então, crescem territorialmente, com o desprendimento dos usuários e dos moradores do entorno em ceder metragens de espaço público para permitir a continuidade desse tipo de vegetação.

Nesse contexto, as diversas espécies de plantas trazidas desenvolvem  livremente relações de disputa e de cooperação, se adaptando ou não ao lugar, e às pessoas que o habitam.

Sem vínculo com o paisagismo, no sentido de não obedecer um projeto ou desenho específico da vegetação no meio, e sem forjar algum tipo de valor ou efeito estético, o Cerrado Infinito é instável,

e se desenvolve de forma permeável, dentro de um meio urbano adverso, sem ser equipamento funcional ou servidão, podendo ser caracterizado, na verdade, como uma atividade de antipaisagismo. 

Não há qualquer intenção agrícola ou medicinal, sua beleza está em acompanhar seu desenvolvimento natural, ou na insistência de invocá-lo. 

Apesar disso, o uso dessa vegetação ruderal, resiliente e de reprodução fácil, tem o potencial, comprovado ao longo do projeto, de ser uma das melhores estratégias de renaturalização da cidade de São Paulo — uma cidade que carece de áreas verdes densas -, capaz de ativar a biologia local, amortecendo as consequências da urbanização e permitindo interações importantes da vegetação com uma fauna limitada, mas ainda assim muito importante.

No desejo de tornar o Cerrado Infinito o mais auto-suficiente possível, acompanhamos seu desenvolvimento reduzindo progressivamente nossa intervenção, para que a dinâmica das próprias plantas guie o processo. Pode-se pensá-lo como uma célula de vegetação campestre: matrizes se reproduzem, novas plantas se instalam onde querem, sem controle, e, com a ajuda da avifauna, arriscam dispersar-se para além dos limites da praça, friccionando sua assimilação cultural.

Seu processo construtivo se dá pelo negativo da ação de plantio, com o desígnio de formar uma trilha de terra plantando nas duas margens opostas e permitindo uma passagem entre as plantas, que, conforme aumenta em extensão, amplia a área de vegetação nativa.

A trilha não tem bifurcações, e evita saídas,  não à toa, seu percurso ondulante é um convite para o ócio, que procura prolongar ao máximo a experiência de caminhada sem intenção de transporte ou qualquer finalidade prática.; Quer dizer, trata-se de um anti-atalho, um trecho físico de um percurso mental infinito que possibilita vivenciar um deslocamento em relação ao ambiente urbano, exercitar a sensibilização diante dessa vegetação e promover uma descompressão da tensão cotidiana da cidade,

Se pudermos usar o termo "medicinal", o Cerrado Infinito atua nesse plano simbólico: propõe uma mudança cultural e descolonizante em relação à origem da cidade, - sua história de violência ambiental e racial, entre tantos outros problemas,-  apresentando, desse modo, uma ecologia desconhecida e adversa à ecologia urbana. Não como substituta, ao contrário dissoluta ecologia que amplie os repertórios e percepções das nossas relações com outros seres e o ambiente. Ao trazer esse entendimento, o Cerrado Infinito aponta novos caminhos e outras possibilidades de cura. Cura do quê? Cura da amnésia imposta pelo processo colonial, sobre o solo onde construímos a cidade de São Paulo.

Por ser um trabalho que se estendeu ao longo do tempo, seu processo e suas estratégias mudaram de acordo com as diferentes situações.

Período de criação, de 2015 a 2020: 

O Cerrado Infinito da Praça da Nascente idealizado pelo artista visual Daniel Caballero, foi desenvolvido coletivamente por um grupo flutuante de pessoas. Dentre os vários participantes, destacam-se  as contribuições fundamentais de Mariana Prata,  Tiago Santinho, Evandro Saroka, Paolo Sartorelli, Letícia Rita, Erica Bettiol, Alfredo Morel, Ananda Carvalho, Elvis Rocha,Tiago Queiroz,  Eduardo Salvino, Thiago Ruiz, Giulio Forato, Christian Von Ameln, Mônica Rizolli, Lucilene Lamano, Anna Luiza Marques, Bianca Brasil, Lúcio Tamino, Marcos Xavier, Marcos Issao, Gabriel Sei, Gabriela Leirias, Guilherme Ranieri, Paula Moura, e Edegar Bernardes. Eles foram atuantes de diversas maneiras, seja nos plantios, no próprio desenvolvimento do ambiente e, portanto, de seu uso como ateliê aberto para experimentos estéticos.

Nesse período, estabeleceu-se a trilha e a área de ocupação das plantas na praça — formando o primeiro "cerrado" recriado em um ambiente urbano,—, reivindicando simbolicamente seu território nativo original e, por consequência, sua existência ancestral à cidade de São Paulo.

O território, constantemente ativado por visitantes e colaboradores, tornou-se rapidamente uma espécie de ateliê aberto e palco de experimentações que culminaram nas onze edições do evento Descolonization!!! - Piquenique Internacional de Descolonização da Paisagem Vegetal Mundial.

A cada edição, o Cerrado Infinito se afirmava como um ecossistema cultural ruderal, com apresentações de performance, dança contemporânea, instalações, arte sonora, oficinas, palestras e outras experiências vivas.

Apesar disso, o projeto, desde seu início, nunca foi pacífico. Pelo contrário, os acontecimentos foram capazes de revelar a grande desinformação sobre o bioma e os assuntos relacionados.

Explico: primeiramente, a própria ideia de que a cidade de São Paulo se desenvolveu em uma área de cerrado que ocupava mais da metade da área metropolitana atual, motivo que ainda gera polêmicas, mesmo entre pessoas que se relacionam, pesquisam e trabalhamou  trabalham com o assunto.

No contexto da Praça da Nascente, a vegetação de cerrado seria um complemento ideal em um discurso de proteção e de conscientização sobre os recursos hídricos da cidade,- a praça é um tipo de marco zero para diversos movimentos, coletivos e iniciativas de mapeamento de afluentes, destamponamento de nascentes e de construção de lagos pela cidade. 

Todos esses movimentos, sem dúvida foram influentes, e tem sua importância, contudo,  focam sua atenção, principalmente, na saída das águas - nascentes, córregos e o que  for visível - e seu impacto no cotidiano imediato, sempre associando nascentes, com árvores e bosques. Um slogan popular, oriundo de técnicas de permacultura é repetido com certo orgulho, dizendo que “se planta água” ao plantar árvores.

Esse pensamento, fruto de uma visão ecológica urbanizada e de matriz agrícola,  arvorecentrica, e que idealiza uma visão exótica importada da floresta tropical, se choca, com a essência de um campo de cerrado.

Florestas e campos são ecologias antagônicas, e o Cerrado Infinito pede um entendimento que ainda é difícil de ser assimilado para muitas pessoas, sendo percebido de forma confusa, ou até situado como um inimigo por alguns grupos ambientais. Essa percepção se reflete claramente no confronto criado na própria praça pelo coletivo que “cuida” e mantém o monopólio dos debates sobre as nascentes, excluindo completamente o Cerrado Infinito dessas discussões. Um contrasenso, a verdadeira relação entre o cerrado e os recursos hídricos, é enunciada por outro slogan que tem se tornado cada vez mais popular, "o cerrado é o berço das águas”.

O cerrado como bioma, composto de uma geologia e vegetação específicas, tem a grande capacidade de reter e armazenar água, alimentando a maioria dos aquíferos do Brasil, e, em particular, o Aquífero Guarani que abastece São Paulo.  Fazendo uma analogia, o cerrado é uma grande caixa de água, e as nascentes seriam sua torneira, o que significa que, sem dúvida, manter a torneira aberta é necessário, mas esquecer de pensar e cuidar da caixa da água, é permitir o esgotamento dos recursos,  resultando na extinção das próprias nascentes cultuadas.

O que temos neste caso é o confronto entre duas idéias de ecologia diferentes, que limitou a expansão e o entendimento do Cerrado Infinito. Esses desgastes, ao longo do tempo, somados com a chegada da pandemia de Covid-19, acarretaram na dissolução completa do grupo original.

Período de consolidação, de 2020 a 2022:

Diante das restrições da pandemia, que impossibilitava agrupar pessoas, o Cerrado Infinito foi mantido e ampliado pelo idealizador Daniel Caballero, com ajuda de uma equipe de três jardineiros contratados: Tanga, Seu João e Clodoaldo, e colaborações  eventuais. 

Contudo, pontualmente, contou com o apoio fundamental da Subprefeitura da Lapa, que disponibilizou suas equipes para realizar podas em árvores, manter e desenvolver a trilha em condições de visitação, além de cuidar da Praça da Nascente como um todo, sob nossa supervisão.

Nesse período, em contraste, ele se fortaleceu com a baixa circulação de pessoas; a vegetação se adensou e tornou-se mais resistente, chegando a dobrar sua trilha e área, eliminando gradualmente os capins exóticos da praça.

No entanto, esse avanço não consolidou novas áreas de cerrado, uma vez que as disputas territoriais dentro da praça, foram retomadas logo após o fim da pandemia, tornando qualquer diálogo entre as partes inviável, e, aos poucos, os capins exóticos tem retomado seu lugar, o que não impediu as espécies do cerrado se manterem e reproduzirem sozinhas, alimentando um comunidade vegetal relativamente estável.

 

Período de ‘emancipação', de 2022 até hoje:

A partir de 2022, a vegetação foi deixada numa deriva controlada, e a manutenção do espaço passou a ser feita, bimestralmente, muito mais pela eliminação de plantas exóticas, principalmente de capins africanos, além da remoção de lixo, do que novos plantios. 

Se isso reflete um aumento relativo da vegetação, por outro lado, as plantas do cerrado sofrem com atos de vandalismo, e roubo de plantas, que são assimilados como parte da sua ecologia. Provavelmente e apesar de que diversas espécies terem se reproduzido de forma a se tornarem cada vez mais presentes, ao longo do tempo, muitas delas que compõem a biodiversidade do cerrado vão desaparecer, e apenas vão se manter as que conseguirem enfrentar as fricções urbanas  com a população.

O Cerrado Infinito no Jardim Onírico, interessantíssimo programa do YouTube sobre jardins e cultivos de plantas, que vale muitas visitas.

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