CERRADO INFINITO DA casa das caldeiras
Início: Outubro de 2022, com inauguração em Abril de 2023, e destruição em Janeiro de 2024
LOCAL: Casa das Caldeiras, Barra Funda, ZO
DEFINIÇãO CONCEITUAL: Cerrado Infinito de guerrilha site-specific
ÁREA: Aproximadamente de 300m
TRILHA: 65m
Espécies:Lantana roxa, abacaxi, sena empenada, capim barba-de-bode, capim rabo-de-burro, orelha-de-onça, língua-de-tucano, elegante, araçá-do-campo, canela-de-velho, capim-colchão, amargoso, arnica-do-campo, capim sapé, caraguatá, erva-grossa, carqueja, macela-do-campo, batata-de-perdiz, lírio-do-campo, dormideira, capim-cabeça, douradinha, capim-guaçú, capim-flechinha, milho-de-grilo, lantana-camara, quaresmerinha-do campo, alecrim-do-campo, orquídea-sumaré,
amora-silvestre, barbasco, jurubeba, capim-do-pampa, gervão-azul, perinha-do-campo, hortelã-do-campo, cruz-de-malta, mimosa-amarela, juqueri-amarelinho, crotalaria, cipó-cabeludo, branqueja, trapoeraba-azul, assa-peixe-branco, assa-peixe-azul, assa-peixe-roxo-mirim, begônia-do-brejo, capim-estrela, língua-de-vaca, eupatório-roxo...
Aqui, o Cerrado Infinito atende um convite para criar um Cerrado Infinito na Casa das Caldeiras, um dos últimos imóveis das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo. Aparentemente, todos esses esses imóveis remanescentes, foram destinados a fins de lazer e cultura, como, por exemplo, o Shopping Cidade de São Paulo, na Av. Paulista, construído sobre a antiga Mansão Matarazzo, ou a praça Conde Francesco Matarazzo Júnior, na Barra Funda, cuidadosamente “fechada por grades para prevenir a degradação”. Há também a Cidade Matarazzo, um projeto de turismo cultural que transformou o antigo Hospital Umberto Primo, na Bela Vista, em um hotel de luxo, restaurante e galeria de arte. Existem outros locais que lembram ruínas romanas, que foram ou serão transformados em algum tipo de complexo cultural. Deles todos, a Casa das Caldeiras, talvez, seja o único espaço que conserva sua originalidade arquitetônica.
O convite, extremamente bem-vindo, tinha como objetivo, transformar a área do entorno da fábrica, eventualmente um estacionamento de eventos, em mais um território do Cerrado Infinito. O local seria perfeito simbolicamente, pois justamente as Indústrias Reunidas Matarazzo, o maior representante do processo industrial da cidade de São Paulo, que potencializou o urbanismo e ajudou a construir a cidade que conhecemos hoje, foi em boa parte responsável, pela erradicação final das áreas naturais da cidade, ou pelo menos de todos os campos de cerrado de São Paulo. Fábrica ao estilo inglês, com tijolos e chaminés exalando fumaça - um horror ambiental típico do século passado, seria ressignificada como uma “fábrica de natureza”, uma ideia fortemente inspirada por Lina Bo Bardi e sua "fábrica de lazer", o SESC Pompeia, outro remanescente arquitetônico desse período nos arredores.
O terreno arrasado, altamente ensolarado, com solo estéril, com camadas de cimento, pisos e entulho, seria perfeito como ambiente “rupestre” para as plantas ruderais do campo criarem mais uma camada, reescrevendo seu retorno no meio tomado pela cidade.
Encomendado pela associação da Casa das Caldeiras, o projeto previa, inicialmente, uma série de jardineiras enfileiradas, sinalizando a passagem para os fundos da antiga fábrica, um autointitulado pólo cultural - com alguns restaurantes de hambúrguer "gourmet" e uma choperia, além do grande galpão industrial — onde se realizam importantes eventos corporativos, jantares, aniversários, entre outras atividades de relevância social ou artística.
Nesse contexto, as jardineiras, deram a oportunidade de desenvolver a jibóia-barricada — uma variação de guerrilha do Cerrado Infinito, iniciada na Praça da Nascente. Nesse projeto, barricadas de sacos de terra são dispostas sugerindo formas de cobras, peixes e outros animais, sobre os quais as espécies do cerrado se estabelecem parcialmente elevadas do solo, para maior segurança delas. À medida que crescem e se reproduzem, as plantas se espalham pelo entorno e absorvem as barricadas, para constituir novas áreas de Cerrado Infinito.
As figuras, alinhadas em sequência, formam um arquipélago de ilhas-paisagem, sinalizando o percurso, formando barreiras visuais, que separam as pessoas da área compartilhada com o grande volume de carros manobrados no local.
Com as Jibóias-barricadas, ofereci muito mais do que uma série de jardineiras enfileiradas, mas uma continuidade da trilha do Cerrado Infinito e um atrativo visual para ser adicionado à programação de visitas do patrimônio histórico da Casa das Caldeiras.
A intenção foi fazer uma espécie de oferenda à natureza, assim, as jibóias-barricadas foram criadas para invocar conexão e interação entre os seres ao seu redor, à medida que as plantas se reproduzem e se assentam no espaço.
Distraidamente, a instalação criou uma presença física e simbólica entre mundos, para muitas culturas nativas, as jibóias, são seres místicos e sagrados, guardiãs do conhecimento, e que exigem respeito. Muito poderosas, aparentemente, quem mexer com elas sofrerá inevitáveis consequências.

Um pouco depois da inauguração do primeiro trecho e das primeiras atividades, uma disputa de ideias sobre o que fazer com esse espaço surgiu por parte da subprefeitura e de poderes afins, com a administração da Casa das Caldeiras, debatendo possibilidades, como uma pista de skate, uma feira de carros antigos, um grande gramado com árvores exóticas, quadras poliesportivas, etc. Nesse debate nada transparente entre a subprefeitura e a administração da Casa das Caldeiras, não tive a menor chance de propor nada, então os planos de expansão do Cerrado Infinito ficaram aguardando uma definição. Durante o processo, reivindiquei da administração da Casa das Caldeiras a manutenção das plantas, até o momento em que precisaram ser retiradas do local, solicitação da Subprefeitura da Lapa de uso do espaço, que até hoje, passados quase dois anos do ocorrido, segue desconhecido.
Curiosamente, todo esse tempo, a terra segue vermelha, em suspensão, sendo, ao contrário de áreas verdes da cidade, constantemente roçada para eliminar capins braquiárias e outros matos que passem a ideia de abandono do lugar.
Com os portões fechados ao público, nada se sabe sobre o edifício. Se está sendo reformado, ou com a manutenção em dia, e ainda se a associação da Casa das Caldeiras anda de pé com as lanchonetes e choperia abertas, ou se fecharam as portas.