CERRADO INFINITO DA BORDA DO CAAGUAÇU
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Início: Agosto de de 2022
Local: Edificio Armando Petrella, Al.Jaú Jardins, ZO
definição conceitual: Paisagismo naturalista
Área:
Trilha: Oculta
Espécies em destaque: Ananás, ananás-do-cerrado, língua-de-tucano, elegante, capim-carona, capim-rabo-de-burro, capim-barba-de-bode, capim-colchão, capim-sapé, orelha-de-onça, pixirica,
quaresmeira-do-campo, quaresmeirinha-do-brejo, lantana-roxa, milho-de-grilo, batata-de-perdiz, Sumaré, Barbasco, carqueja,alecrim-do-campo...
Implantado em jardineiras de concreto, no contexto de valorização da entrada de um edifício comercial nos Jardins — um espaço privado, mas em diálogo com o espaço público, ao lado de uma livraria e de uma futura cafeteria —, o Cerrado Infinito foi concebido como um diorama vivo. Em sua composição, pedras, cristais e outros elementos foram rearticulados para sugerir uma paisagem pré-colonial e o ilusionismo de um jardim naturalista que pudesse parecer “selvagem”.
O nome “Cerrado Infinito da Borda do Caaguaçu” refere-se à sua posição próxima ao antigo bosque do Caaguaçu, que ocupava o alto da Avenida Paulista e se estendia até os arredores da Alameda Campinas. Algumas árvores remanescentes desse bosque ainda resistem no Parque Trianon.
A partir desse limite, começava o cerrado que descia pela Avenida Rebouças até o Largo da Batata — região por onde passava o Caminho do Peabiru, rota ancestral indígena, que atravessava o Rio Pinheiros pelo atual bairro do Butantã em direção a Cuzco, no Peru.
Reinstalada em seu território original, a vegetação nativa do cerrado paulista, apresentada aqui na forma de um jardim bem cuidado, contrasta com a paisagem vegetal do entorno — marcada por jardins padronizados e estéreis, promovidos pelo paisagismo comercial voltado ao setor imobiliário.
Por um lado, esta versão do Cerrado Infinito revela que plantas ruderais e capins historicamente considerados "ervas daninhas" podem ser esteticamente interessantes, compondo paisagens visualmente potentes. Por outro, provoca desconfortos em uma região habitada majoritariamente por uma elite conservadora, que, em parte, contribuiu para a destruição dessa vegetação. Ou, ao menos, herdou esse ônus.
Com uma boa recepção, mas sem nenhuma sinalização que o explique claramente, esse Cerrado Infinito foi interpretado como um jardim japonês, o que não deixa de ser um grande elogio.
Funcionários do edifício, muitos deles migrantes da zona rural, no entanto, reconheciam grande parte dessas plantas, associando-as a lembranças familiares ou a usos cotidianos, e, nessa associação, se divertiam com a ideia de um jardim feito com espécies que, para eles, não tinham valor até então.
Desde o início, a relação com o proprietário do local chamava a atenção pelo trato rude com seus funcionários. Essa necessidade de se impor hierarquicamente, refletia o velho clichê de uma elite paulistana extremamente elitista — para não dizer obtusa - anunciando o conflito direto com uma proposta de arte anti-colonial. Só esse ponto já seria suficiente para me afastar do projeto.
Mas a oportunidade — e a coincidência simbólica —, de fazer um cerrado na borda do mítico bosque do Caaguaçu, me fizeram relevar a falta de educação do proprietário.
Apesar de todo o discurso ambiental e estético prévio, e de ser um Cerrado Infinito — ou seja, mais do que um jardim, um trabalho de arte com um corpo conceitual próprio —, com o tempo, surgiram inúmeros impasses na gestão do espaço. Algumas espécies passaram a ser rejeitadas por critérios subjetivos e de gosto pessoal, como o capim “rabo-de-burro”, removido sob alegações de ser “coisa de gente pobre”. Reformas feitas no imóvel não consideraram as especificidades da vegetação, que, muitas vezes, foi danificada,
— mesmo sem a possibilidade de reposição simples, de espécies em extinção, não cultivadas comercialmente em larga escala.
A repressão à expressão real das plantas, para se adequar a uma série de visões pré-concebidas e divergentes entre si, o descaso com a vegetação durante reformas e os consertos na infraestrutura do edifício, que despejaram poeira, tinta, restos de fiação elétrica, além de pisoteio livre por parte de quem operou as reformas, foram lentamente sabotando o jardim.
Com isso, chegamos finalmente a um embaraço. Sem qualquer consulta prévia, o proprietário contratou um jardineiro — apresentado como "paisagista conservacionista" —, para fazer uma manutenção, cuja atuação reduziu drasticamente a diversidade de espécies do jardim, descaracterizando, por completo, o projeto original.

As plantas foram simplesmente descartadas no lixo, e algumas levadas para uma suposta reserva ambiental do sujeito, especializado em orquídeas e bromélias da Mata Atlântica. Considerando a sensibilidade estético-paisagística — e extremamente higiênica — com que o sujeito interveio no jardim, só posso sentir pena da Mata Atlântica.
Conversando com amigos do meio, eles me deram as boas-vindas, ouvi deles que, no universo do paisagismo, muitas vezes, o maior problema de um jardim é o cliente e seus caprichos.
Lamento por meus amigos, mas entendo isso como a constatação dos limites insustentáveis de um jardim “ecológico” e de seu papel como contribuidor à preservação de espécies.
No contexto urbano, tal prática dissimula que apenas quem dispõe de condições econômicas para manter um jardim pode ser, de fato, ativo nas questões ambientais. Consequentemente, a reflexão sobre como administrar o que resta das diferentes ecologias — e os eventuais recursos contidos nelas —, ficaria restrita a uma elite.
Quando a escala da jardinagem aumenta, como na definição de reservas naturais, quase sempre ocorre uma negociação desigual dos recortes territoriais, raramente contemplando a integridade daquilo que supostamente deveria ser preservado. A jardinagem “ecológica”, ao se colocar como se outras não o fossem, reforça sua própria fragilidade conceitual. Produz um efeito pictórico de natureza conciliadora, mas não escapa da lógica seletiva: define quem pode ou não participar dessa ecologia recortada e encenada, ao mesmo tempo em que elimina os “indesejados” — pulgões, pássaros, gafanhotos, capins, arbustos, pobres, povos tradicionais, nativos, biomas — conduzindo-nos a um passado idílico e imaginativo.
Ainda assim, parte da força visual do Cerrado Infinito permanece. E, talvez, com o tempo, as próprias plantas consigam sensibilizar quem hoje cuida do espaço, e abrir caminho para uma possível revitalização.


























